Psicanálise de brasileiro – Luiz Antônio Viegas
* Luiz Antonio Viegas
Dizem, e eu acredito, que ele é acolhedor. Sendo genuinamente brasileiro e na mesma medida psicanalista, poder-se-ia dizer que, já que bem acolhe às demandas, é verdadeiramente o melhor. Mas o melhor analista foi o mestre Freud porque nos apontou para a possibilidade de descobertas das singularidades que em nós devemos desabrochar para, a cada corte e recorte, fazer da Psicanálise nossa empreitada permanente de busca do por-vir, daquilo que emana do mais puro nascedouro e desta forma nos remeter à uma assinatura de próprio punho, brasileiro. Então, posso também dizer que tanto faz Freud ter nascido em Viena, no Japão ou em Madureira, Brasil. O que importa, já que falei da terra do samba, do gingado, é o molejo, o jogo de cintura, mas sem perder a cadência ou o manejo do dispositivo analítico, pois senão o samba atravessa.
Sabemos que o melhor analista sempre assim o será para aquele analisando que se permitiu ouvir-se e ser ouvido. Esta escuta, acolhedora, é o que destaco como sendo da especificidade de um ou outro analista. Será que o bom analista é aquele que melhor se dispõe na postura de escuta obstinada à remessão da constatação da diferença, de ser brasileiro? Que se faz no jeito de ser bom co-piloto em um carro que o analisando dirige, visando salvaguardar, mas sem garantias, uma condução mais adequada do que até então, sem análise, o sujeito vinha conseguindo ter. O que é preciso é que se permita navegar sob os auspícios da demanda provinda de um inconsciente que clama por deciframento. Saber da origem do seu rumo. Mas, brasileiro tem rumo?
Aquele que verdadeiramente acolhe não o faz “de cadeira”, ou seja, também não podemos falar “de cadeira” sobre “Psicanálise de Brasileiro”, já que o analista não tem cadeira. Só podemos falar de sua função. O que podemos notar é que ele sabe (será que sabe?), que re-quebra as cadeiras, constituindo-se fruto de uma reconstrução permanente. Gostoso é fazer desse modo diferenciado, específico. Todos nós já tivemos a oportunidade de ver um “gringo” sambando: ele quase sempre entra em descompasso. Então é o fazer e não o ser psicanalista brasileiro que irá caracterizá-lo como o que melhor acolhe as emoções e traduzi-las ou interpretá-las segundo um enquadramento verde e amarelo.
As tonalidades expressas pelos fantasmas só podem ser conhecidas
quanto mais perto ficamos deles próprios e com isso os desmistificamos e facilitamos nossa convivência. O analista nunca sabe desse tom. Ele ousa querer saber. Se é berrante ou pastel. Se é grave ou agudo. Mas, sabe que quem sabe é aquele que se propôs ser ouvido. O analista deve saber que sua escuta pode retardar ou não o andamento do processo, da orquestração de uma vida cuja regência é alvo de resgate daquele que procurou um analista sério, competente, comprometido.
Sério não quer dizer que não possa atender de bermudas, em pleno verão quarenta graus, Brasil. Sério não quer dizer inflexível. Sério, por que lhe compete estar em prontidão para agenciar o poder que lhe é concedido e viabilizar que o cliente chegue em si mesmo, enquanto verdade. Sua presença, seu estabelecimento, objetiva o acontecer de uma técnica direcionada à cura. Esta concessão, este passe, este agenciamento, não é dado por nenhuma escola ou instituição e sim pelo portador de um certo mal-estar que, funcionando como ferramenta principal, alavanca o ato de dar credencial a alguém, o analista, que vai auxiliá-lo em seu re-direcionamento, por mais que esse mal-estar exerça obstáculo para esse fim. Lembro-me de recente ocasião em que, durante uma Jornada Psicanalítica, numa plenária sobre “o lugar do analista”, adentrou pelo auditório, uma paciente do hospital que sediava o evento, expressando olhos de varredura e ar de aflição, questionando: “…onde está o Dr. Fulano?” Prontamente uma colega levantou-se e, caminhando com ela pelo corredor principal, lado a lado, em acalenta-dor semi abraço, sem que se precisasse saber ser Lacaniana, Freudiana ou ter qualquer outro rótulo, acolheu aquele chamamento, o mal-estar. Sómente desfeito deste lugar de ser e imbuído de um certo fazer, tem-se a genuinidade de um ofício ou postura que o valha. Acho que toda vez que perguntarem o que somos devemos responder que tentamos fazer Psicanálise. Ser psicanalista é estar em elaboração permanente. Devemos ousar na busca da singularidade, sem a obstinação por ser um produto acabado e isto, assim como o samba, não se aprende na escola!
Certa vez tomei conhecimento de que uma candidata de determinada instituição “formadora” de psicanalistas, havia recebido certa incumbência a meu ver pondo em jogo a origem da demanda, que eu a caricaturei em forma de “aviso à praça”:
Aluno em “formação” para psicanalista procura uma
pessoa de tantos anos de idade, com disponibilidade
para fazer “tantas” sessões por semana, para fins
acadêmicos em instituição psicanalítica.
Quem encontrá-lo deve ligar para o DISQUE DENÚNCIA ! !
Nós analistas precisamos ficar atentos para a procura do estabelecer-se diferentemente dos tamponamentos que nossa cultura tende a executar, na medida da valorização da aquisição de bens e utensílios – e quanto mais “importado” melhor(?) -, assim como quando esta mesma cultura valoriza as instituições psicanalíticas como avalistas de bons analistas. Desta forma, esquece-se que a pretensão de se avalizar o profissional a partir do cumprimento de um conjunto de regras, pode impedir o desabrochar de um estilo. Considerando o ditado “existem verdades que de tão claras nos cegam”, será que não podemos estar mais disponíveis para perceber que o que as instituições representam, sob a forma de acolhimento ao desamparo e a solidão, não pode obstruir um verdadeiro acesso a um estilo próprio e intransferível. Estar disponível para o espanto, para a re-invenção, para o novo, para o não-dito até então, para a solidão.
* Psicanalista