Psicanálise e Clínica do Social – Sujeito – Cidadão – Célio Garcia

  * Célio Garcia

 Porque Clínica do Social:

A clínica surge como aquisição valiosa trazida pela Medicina, pela Psicanálise, frente a outros métodos ditos “macro” na abordagem do social. Temos que pensá-las, no entanto, inserida numa efetiva estratégia de ação, associada agora às necessidades de ordem coletiva, política, evidenciadas nos novos serviços, postos de trabalho, programas a serem executados no espaço urbano da grande cidade.

Porque Cidadania:

 A grande cidade é cenário tentacular ainda mal conhecido, espaço público com seus fluxos, refluxos, seus fixos, lugares de isolamento e exclusão, por onde circulam, sofrem e convivem os cidadãos, atores individualizados do espetáculo em que estamos cada dia incluídos. O combate à anomia visa tanto o manicômio, quanto a escola tradicional, tanto o hospital de velhos quanto a prisão; se for o caso, a família isolada, outros lugares de exclusão, serão por sua vez objeto de estudo e trabalho de intervenção. O cidadão em questão tem dimensão biológica, psíquica, social e política; suas questões não podem ser reduzidas a um “problema social”. Ele surge como sujeito, seu horizonte é político.

Sujeito-Cidadão? Cidadão-Sujeito? Tensão entre os dois.

As noções “sujeito”, “cidadão”, “comunidade”, organizam habitualmente um espaço político que vamos chamar anexado. Tentaremos pensar o laço social sem necessáriamente passá-lo pelo espaço anexado.

O sujeito não é o cidadão. Um e outro representam duas posturas, emergência ou constituição de um sentido. O cidadão é de início, um, qualquer um; o sujeito é singularidade que se afirma por ocasião de um acontecimento a quem ele passa a dever fidelidade.

O em-comum da cidade teria que ser um espaço onde os cidadãos se cruzam, sem outro critério de inificação a não ser a exterioridade de suas relações. De certa maneira, a cidaddania seria mundial. Se a referência for a Revolução Francesa do fim do século XVIII, o cidadão tem dimensão internacional, cosmopolita.

 O sujeito político ou a política segundo o Sujeito consiste na apropriação da exterioridade constitutiva da cidade. O cidadão se faz sujeito no momento exato em que há representação/apresentação de um acontecimento. A soberania do sujeito surge, e não se contenta em residir no contrato ou no aspecto jurídico-formal.

Por sua vez, o sujeito se faz cidadão quando o espaço cívico desdobra e expande as particularidades subjetivas. A idéia de “república” representa esse ponto de reciprocidade. Soberania e comunidade são os dois termos que tradicionalmente enfeixam as questões que tentamos pontuar. Fraternidade igualmente seria um termo que pretende resolver as mesmas questões.

Poderíamos nos contentar com o cidadão, abandonando a questão do sujeito, desistindo de fazer do cidadão um sujeito?

Um programa de defesa do cidadão-consumidor-usuário-de-serviços parece estar sendo bem aceito pela democracia de mercado, pelo capitalismo de investimento em massa, controle de qualidade, que adotasse a “qualidade total” em nossos dias propugnada e já com numerosos adeptos.

Aqui ao prosseguirmos essa análise, vamos admitir que há tensão entre cidadão e sujeito. No fundo, seria essa tensão que daria um novo laço, a ser pensado longe da dependência do espaço anexado a que aludimos no início do presente parágrafo. “Laço social”proveniente da própria tensão, “laço social”de caráter político já que marcado pela soberania do sujeito.

Como abordar a tensão?

Qual a fronteira entre o humano e o desumano?

 Ao mesmo tempo que sabemos que a angústia vem a ser uma tortura para o homem, ao refletirmos sobre o estatuto teórico e o valor atribuído na prática ao conceito de angústia, podemos pensar que ela é uma função do humano; sem ela o humano em questão não faria a experiência do real em toda sua dimensão, nem tampouco sua travessia. Se de um lado, é difícil definir o que é propriamente humano, pois a humanidade se inventa a cada travessia do real acima nomeado, por outro lado, o desumano é imediatamente reconhecido. Conclusão — os princípios éticos inspiradores de movimentos de “defesa do cidadão”, certamente movimentos responsáveis, seriam necessariamente negativos, pois que seu fundamento é capaz de discernir o que é desumano, mas teríamos que nos confessar incapazes de definir o que seja o humano. Se assim é, o mal acaba sendo a grande preocupação da Ética; o imperativo ético se exerceria cada vez que o mal despontasse no horizonte da experiência humana.

Pergunta — bastaria identificar o homem, de maneira essencialmente negativa, e contabilizarmos os males que lhe são infligidos?

O problema é o seguinte: se o desumano é o argumento de peso inspirador da ética, se o humano é a negação de desumano, a loucura (e outros aspectos da experiência humana) estaria restrita a um campo onde o humano se recusa a reconhecer-se nele.

Em outras palavras, para formular uma nova questão que nos fará progredir em nossa reflexão, que relação vamos admitir entre o humano e a experiência do desumano? Que limite fixar no tratamento dessa não-humanidade?

Por uma Ética a partir de uma definição positiva do homem.

Essa definição vai incluir o não-humano; para tanto, temos que romper com a concepção cada vez mais aceita na atualidade e que consiste em ver na maioria das vezes o homem como uma vítima; os direitos desse homem-vítima serão consequentemente, os direitos de uma vítima, e o tratamento a ele reservado será um tratamento reservado a uma vítima. O estado de vítima, de desamparo, de infeliz, de humilhado, reduz o homem a sua condição animal. Certamente que a humanidade é uma espécie animal, mortal e cruel. Mas, nem a mortalidade, nem a crueldade definem a singularidade humana. Lembremos Hannah Arendt enviada a Jerusalém para assistir ao julgamento do carrasco nazista Eichman:  “o mal é banal”, disse Arendt após longas jornadas passadas no tribunal.

O carrasco é uma abjeção animal, devemos dizer; mas, a vítima não vale mais que o carrasco. Se o carrasco trata a vítima como animal, é porque a vítima chegou ao ponto de se tornar um animal. Alguns que passaram pela prova dão testemunho do esforço para não se deixarem assemelhar a um animal; os relatos dos campos de extermínio sob o regime nazista são nesse sentido contundentes. Assim, naquele que resiste, a resistência não coincide com a identidade de vítima. Eis o homem, ele se obstina a permanecer o que ele é! Isto é, outra coisa que não uma vítima, outra coisa que um ser para a morte. Outra coisa que um mortal, um imortal, portanto! Há por conseguinte uma identidade do homem como imortal, a partir do instante em que ele se afirma contra o querer-ser-um-animal, estado a que as circunstâncias (carência, pobreza total) o expõem. A subjetivação é imortal, e faz o homem! Fora isso existe uma espécie biológica sem singularidade.

Imperativamente temos que contar com uma subjetivaçào sempre posível. A Ética deve avaliar o que pode um sujeito e o que desse poder ele é capaz de querer. Necessário se faz não ceder, em nome da impotência da vontade, sobre a possibilidade do possível. O inimigo da Clínica do Social seria a idéia do pobre homem, de vítima a ser mantido sob proteção do sistema.

Lidar com alguém inapto à subjetivação seria sustentar até o último instante, em condições desfavoráveis a possibilidade de que algo aconteça, ínfimo movimento faça surgir o sujeito, raro, pontual, sujeito enfim marcado pela imortalidade, capaz de denunciar qualquer tentativa de refrência única a um grande Outro tirânico, e unificador.

Meta social para uma clínica.

Vamos tentar definir e propor o que seria uma Clínica do Social. De imediato a tentativa pretende reunir a acuidade da clínica, seu interesse, sua atenção voltados para a subjetividade de cada um, tudo isso aliado e articulado a um programa de ação política como prática no dia a dia do cidadão.

Para tanto, teríamos que contar com profissionais com alguma sensibilidade adquirida no atendimentoclínico, sensibilidade forjada e afiada no trabalho de psicólogos, psicanalistas, assistentes sociais, e demais trabalhadores sociais, sem deixar de lado experiência política eventualmente passada pelo crivo de revisões cruciais nesses últimos anos em função de redefinições da própria atividade partidária ou militante.

Meta social e seu registro.

A presente elaboração só foi possível após criarmos um dispositivo “programa”, algo semelhante a um programa de computação, onde a ordenação permite manejo e princípio classificatório automático (revelador). O “programa” vem a ser um mapeamento de competências detectadas, “programa” a ser exposto, posto a disposição do público interessado. Um novo universo de saberes emerge a partir de competências a serem organizadas e reconhecidas como formando blocos a serem denominadas “diplomas” e logo registrados e atribuídos. O universo em questão, amálgama de saberes já codificados pela escola ao lado de saberes “malditos”, “saberes de vida”e “saberes de morte”, surge a posteriori, isto é, só depois que o “programa” for acionado.

Até então estes saberes permaneciam numa situação de indiscernibilidade; foi necessário um acontecimento para que eles viessem a ser reconhecidos como tal, uma nomeação para que deles pudéssemos falar.

O universo em questão pode mudar a cada vez que o “programa”for acionado, pois novos diplomas terão sido distribuidos, novos saberes registrados. Seu formato, a rigor, nos é dado a partir de “fragmentos” graças a que o particular entra no “programa” sem privilegiar esse ou aquele detentor ou “expert”, sem idealizar proeza (ou transgressão) praticada por alguns.

Vale lembrar que a dimensão “macro”é quase sempre a única vigente nas análises dos nossos economistas e planejadores; o particular, uma vez devidamente trabalhado em termos de “fragmento”, aponta para outra dimensão jamais reconhecida pelo “macro”. Poderia dizer: o macro encobre o “fragmento”.

O uso do “programa”permite uma administração das competências já agora consideradas em seu aspecto, em sua disposição de rede; aqui se passa de uma administração que só conhece o “macro”para uma administração fina das necessidades emergentes, sempre que possível em seu tempo real. Os saberes codificados pela escola, reunidos na enciclopédia, não esgotam, nem podem dar conta da “invencionice” humana.

Experiência de vida ou estratégia de sobrevivência como forma de saber.

Mapeamento de títulos representativos de uma certa competência encontrada. Este mapa pode ser completado, modificado, cada vez que ele for usado; ele não tem carater fechado. Ele é uma tentativa de registrar saberes bem identificados habitualmente admitidos na escolarização, assim como outros saberes certamente oriundos de experiências. Além da escola, uma enciclopédia sempre foi uma tentativa de registrar em determinado momento tudo que aquilo que se sabia sobre os mais variados temas. É claro que uma enciclopédia envelhece, torna-se desatualizada.

Porém, aqui fazemos especialmente alusão às mais variadas práticas encontradas em populações fracamente escolarizados ou sem nenhuma escolarização. A estes saberes fez menção Alba Zaluar em seus trabalhos quando estuda a população negra no Rio de Janeiro. (Veja-se “Cidadãos não vão ao paraiso”). Alba Zaluar mostra a associação que se fez entre estes saberes, essa competência, esses ofícios exercidos por essa população, com a idéia de contravenção. E assim foi; no Rio de Janeiro, como em outras grandes cidades que aos poucos foram se formando no Brasil, uma parte da população não era assimilada aos padrões da classe dominante, aos modos da urbanização, aos padrões morais vigentes, e assim o que aquela gente sabia fazer caia frequentemente na alçada da contravenção. Os chamados camelôs, vendedores ambulantes são uma amostra do tipo de atividade inventada por pessoas fracamente integradas nas atividades mais bem remuneradas privilégio de uma classe escolarizada e detentora de habilitações exigidas ou recomendadas no mercado de trabalho. Vamos tentar desta vez levantamento de competência até então marcadas pelo sinal de um saber maldito, passível de ser reprimido pois tido como ligado à contravenção. Foi importante pensar que a partir de um saber maldito (maldito porque repudiado, maldito já que articulado pelo canal da violência) seria possível chegar a articular politicamente esse saber por meio da participação nas instituições democráticas.

Vamos chamá-los “saberes que tem a ver com a existência em suas vertentes de vida e morte”. O mapa inicialmente distribuido e logo completado por inúmeras sugestões, é um instrumento para pensar, fazer pensar. Ele é um jogo, ele é um artefato.

O “pro-jeto” como direcionamento.

O que é um “pro-jeto”?

Um “pro-jeto” é um impulso que nos lança e relança a cada dia em nossa labuta diária. Vejam que eu escrevi separando as sílabas para destacar o termo “jeto” (lançar-se, lançamento), assim como o prefixo “pro”. Até hoje, nossas famílias criaram em nós identificações que carregamos em nossos ombros, por vezes, a duras penas; por causa delas nos sentimos culpados sob variados pretextos. Esta não é a melhor solução para criar um projeto de vida.

Por isso vamos falar agora em “pro-jeto”, tal qual vamos propor nessa tentativa de definir com rigor o que pode visar o “acompanhamento”.

Um “pro-jeto” de vida está isento das representações habituais (escolhas de profissões por parte de filhos em casas de classe média e alta), possivelmente estas a que me referi acima quando mencionei as famílias onde se constroem as identificações marcas por vezes indeléveis, eventualmente por demais pesadas no destino de cada um. Um “pro-jeto” produz alguma coisa sobre a qual não temos controle absoluto, já que pensado até certo ponto sem insistência nas identificações encontradas na história de cada um, pensado se possível sem contar com a recuperação do recalcado (objetivo de um tratamento pela psicanálise), nem com reposicionamento do sujeito frente a formas de satisfação pulsional (o que também é privilégio do tratamento em psicanálise).

Acompanhar seria fazer alguma passagem na tentativa de inserção no simbólico, tais como instituições jurídicas, justiça trabalhista, exercício do voto por ocasião de eleições, discussão em grupo de comunidade de base, viabilidade de discurso político que não seja necessariamente o discurso do bando e a violência; estão aqui nomeadas as ocasiões que incluem eventualmente fazer laço social, fazer parte da sociedade tal como ela está organizada. Vejam que não mencionei a inserção na sociedade como único e principal objetivo do acompanhamento. A inserção é resultado a que se chega por acréscimo, por consequência; se ela for buscada através de argumentos diretos e convencimento, bastaria o que nos ensinam a moral ou a religião. Nem valeria a pena estarmos aqui tentando dar definição rigorosa para o “acompanhamento”e nada restaria no plano teórico de nossa Clínica do Social.

 Proponho o seguinte esquema para a clínica do “pro-jeto”:

Primeira etapa: a localização do problema trata de identificar o sofrimento do jovem infrator. O sofrimento aqui mencionado tem dimensão ampla, não se reduz a um episódio sobre o qual nos debruçássemos ou pelo qual demonstrássemos compaixão. A impotência atinge todas as áreas, o sofrimento cobre todo o campo da experiência humana;

Segunda etapa: da impotência temos que passar à dimensão “impossibilidade”. Alguma coisa se precipita ao alcançarmos esse nível de apreensão. Mais uma vez, a função simbólica é aqui invocada ao falarmos de impossibilidade; nem tudo está ao meu alcance (incesto, por exemplo);

Terceira etapa: há um furo no que foi estabelecido na etapa anterior, furo a ser examinado quando introduzimos a questão da “relação com o real”, bem distinta do que habitualmente chamamos teste de realidade. A todo custo evitamos uma positivação do episódio em que se envolveu o jovem infrator; com isso asseguramos a dimensão subjetiva incluída no ato do infrator; com isso damos nome ao real sem perder de vista a singularidade do caso.

Qual o objetivo do “pro-jeto”?

Será o “pro-jeto” ocasião para testarmos as reais possibilidades de cada um (“sua posição frente ao ato”), assim como incertezas quanto a vida ou saída apontada para cada um. O “pro-jeto” atesta orientação geral que o inspirou; ele é mesmo marca de distinção para o programa, já que em programas similares nem sempre encontramos investimento de tempo e recursos humanos no empreendimento de tal atividade. Concretamente, o “pro-jeto” se faz em entrevistas individuais, lugar privilegiado para uma postura reflexiva o que assegura claro objetivo.

O período de atendimento é relativamente curto, se tivéssemos em mente uma cura ou um tratamento psicológico com objetivo psicoterápico tradicional. Por outro lado, a solicitação dirigida aos profissionais da clínica do social exercendo atividades na área, tem limitado frequentemente essa contribuição ao laudo, ao relatório. Tentei aqui elaborar proposta a ser submetida aos colegas.. Tratar-se-ia de intervenção típica da clínica do social no campo dito “situação infracional”, cujo objetivo será definido como “modalização da lei”. “Interpretação da sentença”, já se disse.

A sentença, a sanção do juiz terão sempre caráter regulador (legiferante) atestado pela linguagem em que é exarada. Os enunciados da sentença referem-se a artigos do Código infringido, a lei é enunciada em caráter impessoal. A lei é a mesma para todos; a Lógica que preside a construção desses enunciados é a Lógica Formal. Para a Lógica Formal os enunciados são verdadeiros ou falsos, não há meio termo. Não é só a lei civil que exige esse tipo de formulação; o oráculo na tradição grega, frequentemente o que nos foi deixado pelos livros sagrados da religião, usam a mesma linguagem, obedecem ao mesmo tipo de construção.

Nosso plano de trabalho inclui atividade de acompanhamento com o adolescente infrator no sentido de que a lei chegue até ele uma vez modalizada, isto é, dita em termos que lhe digam respeito. A Lógica Modal se ocupa de expressões tais como “possível”, “impossível”, “necessário”, “contingente”.

Ao lado do enunciado da lei, há lugar para a enunciação que diz a lei formulada em termos modalizados.

Sabendo-se que nossos adolescentes passaram por trajetória de exposição a situações de risco social, uma atenção continuada não pode desconhecer, nem minimizar os efeitos desastrosos que atingiram a vida pessoal do adolescente. A revolta, a violência, conhecidas e vividas em situação de desagregação do grupo familiar, ausência do genitor, desemprego, precárias condições de sobrevivência, atravessam a vida de cada um de seus membros. A violência é um comportamento que se torna uma linguagem, um modo de se comunicar, de resolver conflitos transmitido para os mais jovens.

Diante de tal quadro, a intervenção por parte do profissional da Clínica do Social busca efetividade dificilmente alcançada; por isso mesmo, sem desconhecer seus limites, o acompanhamento merece ser técnica de intervenção apurada.

Qual o destino do adolescente?

O destino se faz a cada passo em nossa estratégia política, sobre o destino não guardamos nenhuma ilusão, nem saberemos mais prometer recompensas morais por uma longa vida de trabalho cuja macro-conversão em lucros torna incerta a socialização do benefício, por força de um processo de alheiamento cujo resultado ao final da cadeia desconhece aquele a ser beneficiado.

O adolescente chega até nós proveniente de lugar onde não existe dimensão cronológica pausada, ritmada pelos ritos de iniciação habituais, fontes de marcas com as quais construímos nosso pretendido destino. Assim, não cabe falar em planos para o futuro (a morte precoce espreita o adolescente a cada encontro com a polícia, a cada acerto de contas entre bandos); o imediatismo, atitude comum, vem substituir a espera com a qual compensamos nossas ansiedades, atingindo-se por vezes o mais íntimo quando a sexualidade é exercida precocemente. Como falar em destino, em história, em destinação para alguém a quem só resta o esquecimento na droga, uma falsa idéia de liberdade?

De que técnicas lançar mão para direcionar um “pro-jeto” efetivo?

Incluído entre técnicas de intervenção ao nível do social, o acompanhamento individual solicita nossa atenção no sentido de um maior esclarecimento quanto ao seu processo. A escuta, dizemos todos, a escuta pensada a partir de uma clínica do social acrescentaria, permeia

todo o processo; a clínica surge como aquisição valiosa trazida pela Psicologia, pela Psicanálise, pela Medicina, todos os que se debruçam sobre o leito (“clinê”, leito, em grego, de onde nos vem o termo clínica) na tentativa de acompanhar a pessoa que atendemos.

A clínica é aqui trazida frente a outros métodos ditos “macros” na abordagem do social; temos que pensá-la inserida numa efetiva estratégia de ação, associada agora às necessidades de ordem coletiva, política, em programas a serem executados no espaço urbano da grande cidade. “Macro”é termo do planejador, do economista, do técnico cujo objeto de estudo é a grande cidade, o país, o continente onde se implanta um mercado comum (continental); tal dimensão é inevitável em nossos dias. Mas, a grande cidade é também cenário tentacular ainda mal conhecido, espaço público com seus fluxos, refluxos, seus fixos, lugares de isolamento e exclusão, por onde circulam, investem suas energias e convivem cidadãos, atores individualizados do espetáculo em que somos, a cada dia, mobilizados. O combate à anomia visa tanto o manicômio quanto a escola tradicional, tanto o hospital de velhos quanto a prisão; se for o caso, a família isolada, lugar de exclusão dos mais duros, será por sua vez, objeto de estudo e trabalho de intervenção. O cidadão tem dimensão biológica, psíquica, social e política; suas questões não podem ser reduzidas a um “problema social”. Seu destino é outro.

A abordagem clínica e social parece ser a mais indicada, assim chegamos a adotar o termo “Clínica do Social” para designar a atividade profissional que nos caracteriza.

*Psicanalista

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